8.10.14

E. M. Cioran - Silogismos da amargura


A curiosidade não só provocou a primeira queda, como inumeráveis quedas de todos os dias. A vida não é senão esta impaciência de decair, de prostituir as solidões virginais da alma pelo diálogo, negação imemorial e quotidiana do Paraíso. O homem só deveria escutar a si mesmo no êxtase sem fim do Verbo intransmissível, forjar palavras para seus próprios silêncios e acordes audíveis apenas a seus remorsos. Mas ele é o tagarela do universo; fala em nome dos outros; seu eu ama o plural. 


Foto LP. Astrolábio na Rua Livi. SP 1998.

naufrágio


mestre?

"O sujeito consciente de si mesmo, "mestre de si e do universo", não deveria mais ser considerado como um mero caso particular - o de uma loucura normal. A ilusão consiste em crer que existe um sujeito, um sujeito único e autônomo, correspondendo a um indivíduo, quando o que está em jogo é sempre uma multidão de modos de subjetivação e de semiotização".

Felix Gautari. 
em "O divã do pobre"
Assemblage: Sínteses Provisórias: Mito. Luiz Palma, 2010.

grito

É sempre no passado aquele orgasmo,
é sempre no presente aquele duplo,
é sempre no futuro aquele pânico.
É sempre no meu peito aquela garra.
É sempre no meu tédio aquele aceno.
É sempre no meu sono aquela guerra.
É sempre no meu trato o amplo distrato.
Sempre na minha firma a antiga fúria.
Sempre no mesmo engano outro retrato.
É sempre nos meus pulos o limite.
É sempre nos meus lábios a estampilha.
É sempre no meu não aquele trauma.

Sempre no meu amor a noite rompe.
Sempre dentro de mim meu inimigo.
E sempre no meu sempre a mesma ausência.







Carlos Drummond de Andrade: O enterrado vivo
Imagem: O Grito. Munch