21.11.13

Olhar o contemporâneo...

requer uma posição sobre temporalidade para reconhecer com clareza de onde falamos. Abrimos esta questão a partir do filósofo italiano Giorgio Agamben, que deixa o claro-escuro do tempo cronológico para almejar à noção histórica de contemporaneidade, na forma de uma claridade dilatada: [...] o compromisso que está em questão na contemporaneidade não tem lugar simplesmente no tempo cronológico é [...] algo que urge dentro deste e que o transforma. E essa urgência é a intempestividade, o anacronismo que nos permite apreender o nosso tempo na forma de um “muito cedo” que é, também, um “muito tarde”, de um “” que é, também, um “ainda não”. “E, do mesmo modo, reconhecer nas trevas do presente a luz, que sem nunca poder nos alcançar, está perenemente em viagem até nós” (Agamben, 2009, p. 65-66).
O contemporâneo é aquele que percebe o escuro do seu tempo como algo que lhe concerne e não cessa de interpretá-lo, algo que, mais do que toda a luz, dirige-se direta e singularmente a ele. Um paralelo com o universo sideral e seu número infinito de galáxias, vem da astrofísica sobre a escuridão em que resplandecem as estrelas no firmamento noturno: as galáxias mais remotas se distanciam de nós a uma velocidade tão grande que sua luz não consegue nos alcançar. Pois aquilo que percebemos como o escuro do céu é essa luz que viaja velocíssima até nós e, no entanto, não pode nos alcançar, porque as galáxias das quais provém se distanciam a uma velocidade superior àquela da luz... Perceber no escuro do presente essa luz que procura nos alcançar e não poder fazê-lo, isso significa ser contemporâneo. Por isso os contemporâneos são raros e sê-lo é antes de tudo uma questão de coragem porque significa ser capaz não apenas de manter fixo o olhar no escuro da época, mas também perceber nesse escuro uma luz que, dirigida para nós, distancia-se infinitamente de nós. 



Luiz Palma, reflexões a partir de Ressonâncias do mal-estar contemporâneo: psicanálise, arte e política. Tese de doutorado. Psicologia Social. PUC-SP. São Paulo:2013.