16.7.10

Monólogo de Molly Bloom


O sol brilha é por tua causa
ele me disse no dia em que deitamos sobre os rododendros
no promontório de Howth
com seu terno cinza chapéu de palha
no dia em que fiz ele falar de casamento
foi
antes lhe passei com a boca um pedaço de bolo cheiroso
foi um ano bissexto também
há 16 anos meu Deus
depois daquele beijo que não acaba nunca
e quase me deixou sufocada
sim
ele me disse que eu era uma flor da montanha
sim
é isso mesmo
somos flores completamente
o corpo todo da mulher
sim
taí uma verdade que ele disse na vida
hoje o sol brilha por tua causa
sim
foi por isso que eu gostei dele
porque vi que ele entendia ou sentia o que é uma mulher
e eu sabia que podia fazer dele o que eu quisesse
e fui dando a ele todo prazer que eu podia
para obrigá-lo a me pedir pra dizer sim
e eu não queria dizer logo
e fiquei só olhando
para o mar e o céu
e pensando muitas coisas de que ele não sabia nada
em Mulvey e Mr. Stanhope e Hester
no pai
no velho Capitão Grovés
nos marinheiros que brincavam de carniça e lava-prato
assim diziam lá no cais
e no sentinela na frente da casa do governador
com aquela coisa em volta do capacete branco
pobre diabo meio assado
e as moças espanholas rindo com seus xales seus pentes altos
e os leilões de manhã
os gregos os judeus os árabes
e o diabo sabe lá quem mais
de todos os cantos da Europa e Duke Street
e a feira de aves cacarejando defronte Larby Sharon
os burrinhos coitados que tropeçavam morrendo de sono
e uns sujeitos vagos com seus mantos dormindo nos degraus na sombra
e as rodas enormes dos carros dos touros
e o castelo de milhares de anos
sim
e aqueles mouros lindos de branco e turbante
como reis pedindo a gente para sentar em suas lojinhas de nada
e Ronda com as velhas janelas das posadas
olhos faiscando atrás da rótula para o namorado beijar a treliça
e as tabernas meio abertas durante a noite
e as castanholas
e a noite em que perdemos o navio em Algeciras
o vigia que fazia a ronda sereno com sua lanterna
e oh essa horrível corrente lá no fundo
e o mar
o mar às vezes escarlate como fogo
e o pôr-do-sol maravilhoso
as figueiras nos jardins da Alameda
sim
e todas aquelas ruazinhas engraçadas
as casas de cor de rosa azuis amarelas
e os jasmins os gerânios os cactos
E Gibraltar quando eu era mocinha
fina Flor da montanha
sim
quando pus a rosa como faziam as andaluzas
sim
vou usar um vestido vermelho
e como ele me beijou debaixo da muralha mourisca
e eu pensei: afinal tanto faz ele como qualquer outro
e então eu pedi a ele com os olhos pra pedir outra vez
sim
e então ele me perguntou se eu queria
sim
dizer sim
minha flor da montanha
e primeiro eu passei o meu braço
sim
e puxei ele para mim para que sentisse meus seios em perfume
sim
e o coração dele batia feito um louco
e sim
eu disse sim
eu quero muito
Sim

(In Ulysses, de James Joyce)