19.9.14

Revelação*

*Rubem Alves

O evento da revelação, Otctavio Paz o descreve num parágrafo inesquecível de O arco e a lira:

Às vezes, sem causa aparente - ou, como dizemos em espanhol, porque si - , vemos de verdade o mundo que nos rodeia. E essa visão é, a seu modo, uma espécie de teofania ou aparição, pois o mundo se revela para nós em suas dobras e abismos como Krishina diante de Ajurna. Todos os dias atravessamos a mesma rua ou o mesmo jardim; todas as tardes nossos olhos batem no mesmo muro avermelhado, feito de tijolos e tempo urbano. De repente, num dia qualquer, a rua dá para outro mundo, o jardim acaba de nascer, o muro fatigado se cobre de signos. Nunca os tinhamos visto e agora ficamos espantados por eles serem assim: tantos e esmagadoramente reais. Sua própria realidade compacta nos faz duvidar: são assim as coisas ou são de outro modo? Não, isto que estamos vendo pela primeira vez já havíamos visto antes. Em algum lugar, no qual nunca estivemos, já estavam o muro, a rua, o jardim. E à surpresa segue-se a nostalgia. Parece que nos recordamos e quereríamos voltar para lá, para esse lugar onde as coisas são sempre assim, banhadas por uma luz antiquíssima e ao mesmo tempo acabada de nascer. Nós também somos de lá. Um sopro nos golpeia a fronte. Estamos encantados, suspensos no meio da tarde imóvel. Adivinhamos que somos de outro mundo.

As cores do crespúsculo. A estética do envelhecer. Rubem Alves.
Campinas, SP: Papirus Editora, 2003. 4a Edição. 
Pinturas: Luiz Palma. 2 telas sobrepostas da coleção Arvorejar, 2001.

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